domingo, 31 de agosto de 2014

Modulação da Mente


                       É impossível parar o avanço da tecnologia. Independente de qual seja a área de estudo, se algo pode avançar cientificamente falando, ele irá. Apesar desse ser um aspecto importante da ciência (não ser completamente regulada politicamente), em áreas como a neurociência, em que substâncias podem mudar completamente uma pessoa, e que grandes empresas estão sempre atrás de criar novos remédios para lucrar mais, isso pode se tornar um problema.
                        As "poções mágicas" que dizem melhorar funções cognitivas vem sendo comercializadas há bastante tempo. Em 1970, Cornelius Giurgia já dizia "não precisamos esperar a evolução parar ter um cérebro melhor!". Só que essas substâncias, na maior parte dos casos, são vendidas sem se conhecer suficientemente a forma como agem no cérebro.
                        Um grande incentivador para a venda dessas drogas que dizem melhorar algum aspecto cognitivo (memória, por exemplo) é o medo da população. O aumento da idade média da população, e o Mal de Alzheimer afetando uma certa porcentagem de idosos, faz com a população demande dos cientistas algum tipo de "neuroproteção". Um exemplo de demanda da sociedade é a demanda por remédios que evitem a perda de memória. O problema é que a memória é um aspecto cognitivo complexo, e que não lembrar de determinados fatos (filtro de informação) faz parte desse mecanismo. Então, não é simplesmente o fato de achar um remédio que faça alguém não esquecer nada, deve-se achar e estudar remédios que evitem o declínio da memória, por exemplo. Além disso, muitas vezes vende-se remédios sem citar todos os efeitos colaterais resultantes do seu uso.
                       Outro tipo de remédio que sociedade demanda dos neurocientistas são os remédios que melhorem a aprendizagem. Assim como a memória, aprendizagem se liga à várias áreas do cérebro, então não é fácil definir um escopo específico para a substância. Além de (de novo) todos os efeitos colaterais que esses remédios podem trazer. O uso de drogas que melhorem a aprendizagem também levante uma questão ética. A Agência Mundial Antidoping cita uma série de substâncias que os atletas não podem usar, pois se o fizessem estariam em uma vantagem desleal em relação à seus colegas de esporte. Então, será que no futuro um candidato poderá ser processado se passa em um concurso público (por exemplo) e depois se descobre que ele estava usando substâncias que melhoravam sua cognição?
                       Uma substância que levanta bastante polêmica quanto à questão ética envolvida no seu uso é a Ritalina. Essa substância que diz melhorar os sintomas do déficit de atenção é considera por alguns uma droga perversa e por outros uma salvação. Um dos aspectos polêmicos do uso da Ritalina aparece quando se observa como o chamado "déficit de atenção" é tratado diferentemente comparando Estados Unidos e Reino Unido. Nos EUA, o déficit de atenção têm uma taxa de incidência bem maior que no Reino Unido apesar de alguns cientistas alegarem que a doença tem um fator hereditário muito forte. Outro ponto que chama atenção no uso dessa droga é que em grande parte dos casos, a pressão para receitá-la à uma criança vem dos pais e professores, e não de psiquiatras. Deveria se estudar melhor o caso de cada criança, já que ela pode ser diagnosticada com déficit de atenção por se mostrar irrequieta em sala de aula, mas na verdade ela pode simplesmente não gostar uma aula específica, por exemplo. Além do mais, é preciso lembrar que a Ritalina não cura o déficit de atenção, mas simplesmente diminui seus sintomas.
                  
Referência: Rose, S. (2006) O cérebro no século XXI: como entender, manipular e desenvolver a mente. São Paulo: editora Globo. (capítulo 10)

domingo, 24 de agosto de 2014

Desenvolvimento da Psiquiatria


                       Basta uma olhada no "Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais" (quase mil páginas) para se ter uma ideia da complexidade do campo da psiquiatria. A dificuldade de diagnosticar doenças mentais e tratá-las remonta à bastante tempo atrás.

                        O temperamento humano já foi visto como uma mistura de humores básicos e doentes mentais já foram tratados como se estivessem possuídos por maus espíritos. Mas foi no fim do século XIX que sintomas de doenças mentais começaram a ser rotulados e sanatórios começaram a aparecer por toda a parte. A partir daí, e até os tempos de hoje, há uma grande discussão em torno do tratamento de doenças mentais.

                      Um experimento que demonstra o quanto a psiquiatria precisa evoluir e re-avaliar seus métodos foi o experimento conduzido por David Rosenhan em 1973 (recente!!). Ele e mais sete voluntários se internaram em diferentes hospitais alegando ouvir uma voz repetindo "thud". Mas assim que foram internados passaram a se comportar de forma perfeitamente normal e mesmo assim seu comportamento foi tido como anormal, e levou bastante tempo até que tivessem alta de fato. A classe psiquiatra desafiou Rosenhan a enviar mais pseudopacientes alegando que conseguiriam identificá-los. No mês seguinte, alegaram ter identificado 41 pseudopacientes, mas Rosenhan revelou que não enviou nenhum.

                   Mas, voltando a história.
                   No século XX, a busca por terapias para tratar distúrbios mentais levou também cientistas da época a quererem moldar o comportamento humano. Skinner foi um dos fundadores da psicologia behaviorista, que se baseia na ideia de moldar alguém por meio de recompensas e castigos.
                   O avanço da tecnologia, porém, levou à métodos mais invasivos. Em 1949 Egaz Moniz levou o prêmio Nobel por cortar os tratos que conectavam o lobo frontal com o córtex. Esse método, diziam, deixava os pacientes "mais calmos".

                  Apesar da chamada "psicocirurgia" ainda acontecer (por exemplo, retirar as amígdalas de indivíduos agressivos pois elas eram tida como causa desse comportamento) em 1950, esse metódos mais invasivos começaram a ser substituídos por substâncias psicoativas. A partir daí, o uso de remédios seria cada vez maior, e suas consequências nem sempre devidamente avaliadas.

                 Testes clínicos com depressão mostraram, por exemplo, que boa parte dos pacientes com depressão que estava recebendo placebo melhorava, enquanto parte dos pacientes que recebiam a droga de fato não apresentavam melhora, ou até mesmo pioraram.
                 O problema reside no fato de que a introdução de uma substância química no corpo leva à uma série de mudanças e as pessoas são diferentes bioquimicamente.

               A indústria de psicotrópicos (drogas que alteram nosso cérebro) está repleta de problemas. Primeiro que o corpo tende a se ajustar às drogas fazendo com que sejam necessárias doses cada vez maiores. Além disso, o tempo de uso de um remédio deve ser cuidadosamente escolhido para não levar ao vício. O maior problema, porém, está no fato de que várias substâncias são vendidas como se resolvessem uma gama enorme de problemas mentais fazendo com que pessoas no mundo inteiro usem-na sem a devida precaução. Hoje sabe-se que o Valium (utilizado bastante em 1970 e era receitado para problemas genéricos como estresse ou infelicidade) têm seus problemas e causa dependência. Um dos problemas dessas drogas é que nem sempre revelam as causas do problema, mas se limitam à diminuir a intensidade dos sintomas.

              Uma classe de remédios que recebeu grande atenção da indústria farmaceútica são aqueles que afetam o sistema da serotonina. Esses remédios se tornaram os favoritos para tratamento de depressão. Uma vantagem desse tipo de remédio é que é possível testar sua eficácia de forma mais objetiva. Mas, o interessante é que observou-se que pacientes que passam por uma psicoterapia muitas vezes têm o mesmo efeito no corpo que aqueles que receberam a medicação.

             O passo seguinte na indústria de fármacos foi o desenvolvimento de inibidores seletivos de recaptação de serotonina. O mais famoso deles é o Prozac. Essa droga passou a ser usada mesmo por pessoas que não eram diagnosticadas como clinicamente depressivas. A euforia não durou tanto, quando começaram a perceber que só um terço dos pacientes que usavam Prozac melhoravam, além de todos os efeitos colaterais.

            Enfim, podemos observar que a psiquiatria está longe de ser exata, e que o uso de remédios para tratar os chamados distúrbios mentais deve ser feita de forma extremamente cuidadosa. Afinal de contas, ninguém pode garantir que algum remédio prescrito hoje de forma irresponsável, pode ser dado no futuro como causador de uma série de problemas, e quem sabe até proibido.



Referência: Rose, S. (2006) O cérebro no século XXI: como entender, manipular e desenvolver a mente. São Paulo: editora Globo. (capítulo 9)

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Psicologia da interação social



               Viver em sociedade significa, entre outras coisas, interagir com outras pessoas. O estudo dessa interação social revela uma série de características interessantes sobre os seres humanos.
               Uma característica comum observada na sociedade são os preconceitos que as pessoas têm sobre um determinado grupo social, por exemplo. Além de preconceitos, é comum também deduzirmos a personalidade das pessoas a partir de alguns traços ou atitudes que observamos nelas.
               Deduzir personalidades a partir de certos traços, ou ter preconceitos em relação à determinados segmentos da sociedade revela que estamos o tempo todo analisando as pessoas e formando opiniões acerca delas. Nesse processo de formação de opinião, é comum cairmos em um erro de atribuição: considerar que nossas falhas têm origem em fatores externos (ambiente, por exemplo) e que as falhas de outras pessoas têm origem em fatores internos (personalidade). Por exemplo, se uma aula de oito da manhã termina muito tarde e, consequentemente, chegamos atrasados na aula de dez não nos sentimos culpados pois atribuímos o nosso atraso à aula anterior. Por outro lado, se estamos em uma aula e observamos um aluno que chega dez ou quinze minutos atrasados, concluímos que ele não é uma pessoa muito pontual.

               Nesse processo de interação social, também influenciamos e somos influenciados constantemente. Essa influência pode se manifestar de diversas formas. Um pai pode por exemplo educar uma criança recompensando-a caso ela siga um comportamento que o pai julga correto ou punindo-a caso ela não o faça. Mas os psicólogos sociais observaram que este tipo de poder não é eficaz, pois a criança tende a seguir o comportamento desejado só quando está sendo fiscalizada. Uma forma mais eficaz de influênciar alguém é usando o poder da informação, ou seja, explicando à pessoa o por quê de algo ser feito daquela forma. Caso a pessoa entenda e concorde, ela irá internalizar aquela informação, e não precisará de fiscalização para seguir aquele comportamento.

              Além desses esquemas sociais, e das diversas formas de influências observadas no nosso dia a dia, temos também uma série de atitudes que seguimos e identificamos em outras pessoas. Essas atitudes podem indicar o comportamento de alguém, mas nem sempre o fazem. Psicólogos sociais observaram que para causar uma mudança de atitude em alguém, razões externas são pouco eficazes. Ou seja, da mesma forma que para influenciar alguém é importante que a pessoa internalize a informação, para que esta mude uma atitude ela deve também mudar internamente sua posição. Uma técnica utilizada é mostrar uma incoerência entre pensamentos que a pessoa têm. Isto causa uma desconforto, que leva à pessoa tentar harmonizar estes dois pensamentos, levando eventualmente à uma mudança de atitude.

            Ainda dentro da área de interação social, uma temática muito interessante de se estudar é agressao. O que faz uma pessoa ser violenta? Genética? Ambiente? Para responder essas perguntas, é preciso primeiro definir o que é agressão:

            "Agressão é um ato com finalidade de causar dano à outrem."

ou seja, estamos considerando agressivos apenas aqueles atos que causam dano de forma proposital. Nesse sentido, observou-se que o comportamento agressivo de uma pessoa deve-se muito à educação que recebeu dos pais. Um filho que observa um pai "estourar" em situações de pressão tende a repetir este comportamento no futuro. Este tipo de conclusão leva à pergunta: "Se o filho tende a repetir o comportamento observado, filmes violentos não deveriam ser restringidos?" Mas a resposta para essa pergunta está longe de ser respondida. Um argumento para o outro lado é que a criança passa por um processo de catárse ao ver desenhos violentos, perdendo a necessidade de descargar uma possível raiva no mundo real.
          
             No outro extremo do comportamento humano estaria o altruísmo. Este também revela traços da personalidade humana. Por exemplo, já ocorreram várias situações onde alguém pede ajuda por um longo período de tempo e ninguém se presta a ajudar. E por outro lado, boa parte dessas pessoas ajudaria esta que estava pedindo ajuda se ela estivesse sozinha. Isto se deve por que quando estamos entre várias pessoas, sentimos que estamos dividindo a responsabilidade de ajudar a pessoa que pede ajuda, e dessa forma nos sentimos menos culpados se não a ajudamos. Por outro lado, se estivéssemos sozinhos, nos sentiriamos muito culpados caso não ajudássemos pois estaríamos com a responsabilidade toda para nós.


 Referência: Rodrigues, A. (1992Psicologia social para principiantes:estudo da interação humanaRio de JaneiroVozes. (capítulos 2,3,4 e 8)