É impossível parar o avanço da tecnologia. Independente de qual seja a área de estudo, se algo pode avançar cientificamente falando, ele irá. Apesar desse ser um aspecto importante da ciência (não ser completamente regulada politicamente), em áreas como a neurociência, em que substâncias podem mudar completamente uma pessoa, e que grandes empresas estão sempre atrás de criar novos remédios para lucrar mais, isso pode se tornar um problema.
As "poções mágicas" que dizem melhorar funções cognitivas vem sendo comercializadas há bastante tempo. Em 1970, Cornelius Giurgia já dizia "não precisamos esperar a evolução parar ter um cérebro melhor!". Só que essas substâncias, na maior parte dos casos, são vendidas sem se conhecer suficientemente a forma como agem no cérebro.
Um grande incentivador para a venda dessas drogas que dizem melhorar algum aspecto cognitivo (memória, por exemplo) é o medo da população. O aumento da idade média da população, e o Mal de Alzheimer afetando uma certa porcentagem de idosos, faz com a população demande dos cientistas algum tipo de "neuroproteção". Um exemplo de demanda da sociedade é a demanda por remédios que evitem a perda de memória. O problema é que a memória é um aspecto cognitivo complexo, e que não lembrar de determinados fatos (filtro de informação) faz parte desse mecanismo. Então, não é simplesmente o fato de achar um remédio que faça alguém não esquecer nada, deve-se achar e estudar remédios que evitem o declínio da memória, por exemplo. Além disso, muitas vezes vende-se remédios sem citar todos os efeitos colaterais resultantes do seu uso.
Outro tipo de remédio que sociedade demanda dos neurocientistas são os remédios que melhorem a aprendizagem. Assim como a memória, aprendizagem se liga à várias áreas do cérebro, então não é fácil definir um escopo específico para a substância. Além de (de novo) todos os efeitos colaterais que esses remédios podem trazer. O uso de drogas que melhorem a aprendizagem também levante uma questão ética. A Agência Mundial Antidoping cita uma série de substâncias que os atletas não podem usar, pois se o fizessem estariam em uma vantagem desleal em relação à seus colegas de esporte. Então, será que no futuro um candidato poderá ser processado se passa em um concurso público (por exemplo) e depois se descobre que ele estava usando substâncias que melhoravam sua cognição?
Uma substância que levanta bastante polêmica quanto à questão ética envolvida no seu uso é a Ritalina. Essa substância que diz melhorar os sintomas do déficit de atenção é considera por alguns uma droga perversa e por outros uma salvação. Um dos aspectos polêmicos do uso da Ritalina aparece quando se observa como o chamado "déficit de atenção" é tratado diferentemente comparando Estados Unidos e Reino Unido. Nos EUA, o déficit de atenção têm uma taxa de incidência bem maior que no Reino Unido apesar de alguns cientistas alegarem que a doença tem um fator hereditário muito forte. Outro ponto que chama atenção no uso dessa droga é que em grande parte dos casos, a pressão para receitá-la à uma criança vem dos pais e professores, e não de psiquiatras. Deveria se estudar melhor o caso de cada criança, já que ela pode ser diagnosticada com déficit de atenção por se mostrar irrequieta em sala de aula, mas na verdade ela pode simplesmente não gostar uma aula específica, por exemplo. Além do mais, é preciso lembrar que a Ritalina não cura o déficit de atenção, mas simplesmente diminui seus sintomas.
Referência: Rose, S. (2006) O cérebro no século XXI: como entender, manipular e desenvolver a mente. São Paulo: editora Globo. (capítulo 10)